Nas últimas semanas, desde que nos vimos em condição de isolamento social, vários dos nossos planos foram, estão sendo ou serão adiados. Com relação aos estudos, muitos alunos das redes pública e privada tiveram suas aulas suspensas. Em um primeiro momento a suspensão foi total. Com o avanço da necessidade de se manter o isolamento social e a falta de perspectiva tão próxima de retorno das atividades escolares, as redes de ensino começaram a organizar estratégias para oferecer aos alunos uma espécie de aula à distância.

Digo uma espécie de aula à distância por entender que as experiências que temos visto no contexto do isolamento social em nada se assemelham a uma aula. É uma ação de “atendimento remoto” aos alunos, o que é diferente de uma aula pensada para acontecer à distância. No planejamento de uma aula, presencial ou à distância, um esforço hercúleo é empregado pelo professor na elaboração de materiais, na definição do método, no refinamento da sua intencionalidade pedagógica, na elaboração de instrumentos que mensurem os resultados, entre outros.

Posto este cenário, em especial a Educação, o que desejo falar é sobre o ENEM. Estamos falando do Exame Nacional do Ensino Médio, uma prova utilizada para avaliação da qualidade do Ensino Médio e, também, como critério de seleção no Ensino Superior em muitas universidades do país e algumas do exterior. Diversas instituições de Ensino Superior passaram a utilizar Sistema de Seleção Unificada – SISU – como a forma de seleção de candidatos às suas vagas.

Este exame representa para alguns candidatos o momento em que seu futuro é decidido. Muitos definem sua profissão neste momento da vida, e ter um bom desempenho neste exame significa a possibilidade de disputar vagas concorridas por estudantes de todo o país. É um momento que requer dos candidatos muita dedicação, horas de estudo, plantões nos fins de semana (os chamados “aulões”), entre outras estratégias para que no dia do exame o estudante possa ter o melhor desempenho.

Essa preparação, considerando os alunos que estão na fase final do Ensino Médio, acontece em grande parte nas escolas. O último ano do Ensino Médio se transforma para estes alunos como um momento de criar “estratégias de guerra”. Muitos têm a possibilidade de contar com reforços fora da escola, alguns contam com o apoio da família, e outros meios para estudar os conteúdos do exame.
Neste contexto de isolamento social e suspensão das aulas presenciais, os recursos têm sido oferecidos pelas redes de ensino são basicamente aulas remotas através de computadores, celulares, tablets ou mesmo aulas gravadas e transmitidas em canais específicos para esta finalidade. Obviamente que é uma condição que, se não a ideal, pelo menos chegará aos alunos e em alguma medida ajudará na preparação para o ENEM. Perfeito! Todos os alunos poderão continuar seus estudos neste momento tão delicado.

Errado! Ilusão de que todos os alunos possuem condições de acesso ao estudo pelo modelo remoto. Existe uma quantidade imensa de alunos que não possuem computador em sua residência, ou mesmo acesso à Internet. Existem alunos que não têm uma mesa para estudo em sua casa, ou um espaço para que possam se acomodar de forma tranquila, confortável, silenciosa e dedicar-se aos estudos. Contrariando este cenário existem famílias que dispõe de recursos para garantir aos alunos condições para continuar estudando mesmo nesse momento de pandemia.

O Brasil possui uma população gigantesca de pobres. Pessoas que para além da escola como a única possibilidade de ascensão social, têm suas necessidades mais básicas assistidas pela escola. Estando a escola suspensa, e estes atendimentos remotos chegando, quando chegam, de forma equivocada aos alunos, essa parcela de alunos não têm como se preparar para o ENEM. O que esperávamos do governo federal neste momento era o adiamento de exame, o que seria a atitude mais isonômica, se é que seja possível alguma isonomia quando a diferença das condições sociais dos alunos, isolada a escola, já os coloca em condições desiguais.
Não foi o que vimos. O próprio governo federal saiu em campanha pela realização do ENEM, através de peças publicitárias cheias de equívocos o governo federal argumentava que adiar o exame é perder uma nação de profissionais, e que adiar o exame seria um atraso na vida dos estudantes. Um governo que inclusive defende, por meio do seu Ministro da Educação, que o exame não é para selecionar pobres, mas selecionar os melhores. Melhor é a condição de quem está podendo estudar e se preparar, e quem está tendo esta condição certamente não é o aluno pobre.

Uma parcela da sociedade, a pseudo elite, defende a realização do exame, enquanto outra entende que realizar o exame neste momento de aulas suspensas, de alunos sem condições de acesso aos conteúdos e tantas outras limitações, é inviável. Não dá condições justas para os alunos. Olhando esta condição, mais uma vez, é possível perceber a indiferença social. Estas pessoas que defendem a realização do exame estão confortáveis, pois a pandemia pouco mudou a sua vida, a não ser a dos patrões que estão tendo seus lucros reduzidos com a classe trabalhadora em casa (mas este é outro assunto).

São estes conflitos sociais que vão nos mostrando, como um termômetro, como anda nossa capacidade de se sensibilizar com o que o outro está passando. Estes momentos permitem, inclusive para nós mesmos, a possibilidade de autoanálise. Uma chance de perceber que lado tomamos diante de situações em que podemos ou não ter compaixão pelo outro, nos colocar no lugar do outro, tirar ou não vantagens de condições que em estamos disparados na frente do outro.

Por fim, a boa notícia é que o movimento contrário foi mais forte e conseguiu pressionar os representantes no senado pelo adiamento do exame. O Ministério da Educação se pronunciou pelo adiamento do ENEM antes do projeto, aprovado no senado, avançar para a câmara. Após falas fervorosas do governo federal pela defesa da manutenção, o exame foi adiado.

Continuaremos falando sobre temas relacionados à Educação e a comunidade LGBTQIA+. Para encaminhar questionamentos, temas, dúvidas, críticas, elogios, sugestões e afins, escreva para [email protected].
Fascismo não é ideia, muito menos opinião para ser respeitada.
Rodrigo Cavallarin

Rodrigo Cavallarin

Rodrigo Cavallarin

Colunista - Coluna Humanizar

Mestrando em Educação, possui especialização em Recursos Humanos, Gestão Escolar, Educação Infantil e Psicopedagogia. Graduado em Administração e Pedagogia. Já atuou como Educador Social junto ao serviço de proteção à crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e atualmente atua no Ensino Superior.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Coletivo Movimento Construção – Parada LGBTI+ de Londrina. 

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