Nas últimas semanas, após decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de um projeto de lei que vetava discussões de gênero, voltou aos burburinhos o projeto de lei “Escola sem Partido”. Encabeçado pelo grupo homônimo “Movimento Escola sem Partido”, achei interessante falar algumas palavras sobre o tema, pois além de ter sido o objeto de pesquisa do meu TCC, faz parte das tantas questões que a comunidade LGBTQIA+ precisa cotidianamente enfrentar. É sempre importante conhecer e se apropriar dessas discussões políticas que definem o destino de nossas vidas.

Costumo chamar atenção para esta necessidade de tomarmos posse das discussões pertinente as nossas vidas com um exemplo bem simples, quem discute as legislações sobre o corpo da mulher? Homens, majoritariamente. Faça um levantamento rápido para perceber quem são os políticos que discutem aborto, ou seja, quem discute projetos de lei sobre o corpo da mulher… Homens, homens políticos. Temos que participar daquilo que diz respeito à forma como nossas vidas serão tratadas na sociedade.

O movimento “Escola sem Partido” nasce em 2004, no Estado do Rio de Janeiro, encabeçado pelo advogado Miguel Nagib. Para o advogado, a motivação se deu por conta de uma aula que sua filha teve na escola e que o advogado julgou ser uma espécie de doutrinação por parte do professor (PENNA, 2017).

É importante deixar claro que o “ovo da serpente” é chocado em um ninho bolsonarista. Isso mesmo, desde essa época a família Bolsonaro já se articulava com a bandeira do “Escola sem Partido”, o que depois viria a ser a pauta da campanha para presidente e de muitos outros políticos pelo país que se agarraram no tema para disputar eleições nos anos seguintes.

O projeto de lei “Escola sem Partido” pretende (uso pretende, pois, em minha avaliação, é um projeto que, mesmo sem ter se tornado lei, já causou e continuará causando estrados na Educação) uma distorção do papel do professor enquanto educador, pois vê no professor apenas um burocrata que deve transmitir conteúdos com total isenção de posicionamento pessoal. Pretende o silenciamento dos professores colocando neles uma “mordaça” de modo que não seja ameaçada a liberdade da educação familiar (CIAVATTA, 2017).

A proposta contida nos projetos advindos do movimento “Escola Sem Partido” possui a intenção de tornar lei ideologias de controle sobre a atividade docente e impedir discussões de temas transversais, tais como gênero, o que representa a principal pauta de ataque do movimento (PENNA, 2017). É uma proposta que cerceia um direito de longa data, o direito à liberdade de cátedra que garante aos professores a liberdade de pensamento, à liberdade de ensinar e aprender.

Este tipo de discussão não passa por nós que somos da Educação, não existe ideologia de gênero. Este assunto ganhou espaço a partir de falácias de grupos conservadores e, na sequência, fortemente impulsionados por bolsonaristas. Trazer a discussão para o supremo tribunal, e a corte ter se posicionado contrária à proposta, declarando inconstitucionalidade, representa para a comunidade LGBTQIA+ uma conquista significativa na luta contra a censura, a ignorância, a violência contra a população LGBTQIA+.

A sociedade, caracterizada por suas desigualdades e lutas de classes, necessita que a Escola seja um espaço de formação crítica e garanta a liberdade dos direitos de crença, credo, cultura, identidade, diversidade, entre outros temas. Como diria Freire (2000), a Educação é o lugar da prática libertadora e emancipadora provocando inquietações, dúvidas, questionamentos e discussões que permitam ser abordados todos os conhecimentos acumulados pela humanidade, sem distinção. A escola é um dos espaços importantes para o desenvolvimento de um cidadão que possa criticamente compreender e questionar sua posição social, as posições políticas do país, as relações de domínio de classes, a liberdade do indivíduo, o respeito e outros temas (FAUSTINO, 2000).

Sobre “Vencer”, mesmo sem uma lei sancionada, penso que ainda enfrentaremos muitas dificuldades com relação ao tema. Muitos pais, alunos, profissionais da própria Educação, políticos, militantes e afins construíram uma imagem do professor como criminoso que precisa estar constantemente vigiado. Os estragos que esse movimento “Escola sem Partido” causou ainda ecoará por um longo tempo.
Continuaremos falando sobre temas relacionados à Educação e a comunidade LGBTQIA+. Para encaminhar questionamentos, temas, dúvidas, críticas, elogios, sugestões e afins, escreva para [email protected].
Fascismo não é ideia, muito menos opinião para ser respeitada.
Rodrigo Cavallarin

Referências
CIAVATTA, Maria. Resistindo aos dogmas do autoritarismo. In: Escola “sem” Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Org. Gaudêncio Frigotto. Rio de Janeiro: UERJ, LPR, 2017, 144p.
FAUSTINO, Rodrigo Alexandre Cavalarini. ESCOLA SEM PARTIDO: a liberdade de ensino e a criminalização do trabalho docente. 2020. 87. Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. 165 p.
PENNA, Fernando de Araújo. O Escola sem Partido como chave de leitura do fenômeno educacional. In: Escola “sem” Partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Org. Gaudêncio Frigotto. Rio de Janeiro: UERJ, LPR, 2017, 144p.

Rodrigo Cavallarin

Rodrigo Cavallarin

Colunista - Coluna Humanizar

Mestrando em Educação, possui especialização em Recursos Humanos, Gestão Escolar, Educação Infantil e Psicopedagogia. Graduado em Administração e Pedagogia. Já atuou como Educador Social junto ao serviço de proteção à crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e atualmente atua no Ensino Superior.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Coletivo Movimento Construção – Parada LGBTI+ de Londrina. 

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