Boy Erased nos conta a história verídica de Garrad Conley através do seu livro lançado em 2019 e do seu filme que foi censurado no Brasil. Garrad Conley passou a juventude com medos, filho de um pastor da Igreja Batista e imerso na comunidade religiosa de uma cidadezinha do Arkansas, ele enfrentou e viveu um conflito doloroso em relação à própria sexualidade. Aos dezenove anos, após ser violentado na faculdade, o seu segredo é revelado aos pais. Garrad então se vê forçado a fazer uma escolha que o marcaria para sempre: aceitar passar pela terapia de conversão da igreja para reverter a homossexualidade ou ser renegado pela família, pelos amigos e pelo Deus ao qual dedicara orações todos os dias de sua vida. Garrad é internado na instituição que o submete a um programa de doze passos baseado no estudo bíblico, do qual deve sair heterossexual, ex-gay, pronto para enfrentar o mundo armado com a sua fé. Contudo, durante essa jornada brutal, ele encontra a força, o conhecimento e a coragem necessária para ganhar a liberdade na busca por sua verdadeira identidade.
A biografia de Garrad Conley atravessa uma realidade que é vivida no contemporâneo: ainda hoje 36 estados dos EUA tem a permissão de oferecer as chamadas “terapias de conversão, terapias de reorientação sexual. ” O método da terapia da qual Garrad se submeteu é similar com o AA (Alcoólicos Anônimos) que é um sistema de cura estabelecida em 12 passos, o primeiro dos passos consiste em “reconhecer que você está errado. ” A mensagem de que os gays podem ser curados é muito antiga e também muito perigosa. A Love in Action, onde Garrad fez a sua terapia de conversão desenvolveu um modelo que tratava a cura como se fosse a superação de algum vício. Modelo extremamente traumático e prejudicial porque se baseia em informações insubstanciais e em falsa ciência. Tentar apagar uma parte da identidade de alguém que não se pode apagar, gera uma pressão para você se transformar em alguém que você não é.
As mentiras, os medos e as humilhações que acompanham esse processo podem levar ao suicídio. Garrad esperou dez anos para escrever “Boy Erased” pois sentia muita vergonha em ter passado pela experiência da terapia de conversão e ele decidiu escrever justamente para dar voz ás experiências de tantos que vivem experiências dentro de religiões e igrejas parecidas com a dele. O título “Boy Erased” significa garoto apagado. É um título que deseja nos mostrar o quanto as terapias de conversão, os discursos, as orações apresentadas como transformadoras da sexualidade são métodos que carregam o poder de apagar aquilo que você é. Ressalto aqui o quanto muitas vezes “Deus” é utilizado como uma arma contra a população LGBTQI+. Por isso eu vejo que é fundamental separarmos o que realmente vem do ser humano: pessoas que muitas vezes se colocam como juízes da vida do outro para afirmarem o que é certo ou errado, do “Deus” que você acredita se você tem alguma crença. Percebo que algumas pessoas LGBTQI+ acabam não se conectando com algo espiritual justamente por associarem esse ser superior como alguém que não os ama por aquilo que são, quando é justamente o contrário.
O amor não mora na casa do preconceito, ele prefere ser livre para amar a todos sem exceção. Se permita amar! Se permita viver a sua espiritualidade se você assim desejar: ninguém é obrigado a nada. Não se submeta as receitas que desejam apagar as belas cores que brilham em você.
“Não há cura para o que não é doença. Cure o seu preconceito!”
Jorge Matheus Simões
Colunista - Coluna JM
Formado em Psicologia pela Faculdade Pitágoras, faz especialização em Ensino de Sociologia pela UEL – Universidade Estadual de Londrina. Trabalha como psicólogo clínico atendendo adultos, casais e famílias. Colunista, escritor e pesquisador em temas que envolvem a sexualidade humana e a população LGBTQI+.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Coletivo Movimento Construção – Parada LGBTI+ de Londrina.
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