Dias atrás passando pelos corredores da universidade em que faço mestrado, li um cartaz com o seguinte questionamento “Quantxs professorxs trans e travestis você tem?”. Em um primeiro momento pensei “Obvio que as pessoas entendem que se trata de uma questão histórica, das condições materiais vivenciadas por estas pessoas”.

Doce ilusão, pois ao ler os comentários das pessoas no cartaz fui percebendo quanto a análise pelo viés histórico material passa longe das pessoas. De forma geral, os comentários culpabilizam as trans e as travestis por não estarem ocupando o espaço docente. Os comentários revelam um olhar que analisa a situação pelo viés meritocrático, como se estas pessoas partissem do mesmo ponto na corrida louca pela conquista de um lugar na sociedade.

Os comentários eram no sentido “A primeira condição para ser um/a professor/a é ser qualificado e capaz de ensinar”, ou seja, simples né! Outros eram no sentido de “Reconhecimento se conquista, não se exige”, ou ainda “Graças a Deus que não tem nenhum”. Os comentários revelam o preconceito, a mediocridade no sentido de uma análise superficial e, em última instância, a falta de empatia.
Não se trata apenas de querer estar ali, de um esforço pessoal que exija somente da pessoa trans ou travesti estudar, passar em um concurso e seguir plenamente sua vida acadêmica chegando em posições de representação acadêmica, docência, ou qualquer outra posição dentro das universidades. O ambiente acadêmico é hostil, segrega e é cruel. Não foi pensado e nem pretende se colocar em posição de acolhimento para essas pessoas.

Não é um espaço em que seus representantes se movimentem no sentido de criar condições de acesso e permanência, pois nas simples ações do cotidiano, como utilizar um banheiro, a universidade se coloca como uma forma de excluir essas pessoas. Isso tudo porque estamos falando do ensino superior, considerando que elas cheguem nesta etapa de sua formação, mas a verdade é que nem o Ensino Básico se revela como uma possibilidade para as trans e travestis, pois também não é preparado para acolher qualquer indivíduo que transgrida a “norma”.

“Pelo mundo é claro que há transfobia, ainda mais legitimada pelos setores conservadores, mas especialmente na América Latina, e sobretudo no Brasil, há toda a construção sobre a travestilidade jogada as margens da sociedade, o que impulsiona ainda mais isso. E eu mesma já vivenciei transfobia de professor, que muitas vezes não sabe como lidar, não é preparado, ou as vezes é abertamente (e digamos, “politicamente”) transfóbico”, aponta Ursula, trans/travesti não-binária, estudante de Ciências Sociais.

É um caminho longo, difícil, que encontra resistências todos os dias, em todas as salas de aula, em todo trato com o desviante da “norma”, mas não é um caminho impossível. A Educação possui um papel fundamental para a construção de uma sociedade em que as pessoas possam viver melhor. Assim, a Educação não deveria, e nem pode, ser o primeiro dos obstáculos para que as pessoas trans ou travestis de exclusão social. Pelo contrário, o papel da Educação é exatamente o oposto.

Para os profissionais da Educação – de forma especial os colegas das licenciaturas diversas e que estão majoritariamente nos CCHs das universidades – fica o chamamento para que estudem sobre este e outros temas relacionados, se informem, se capacitem, conheçam dados estatísticos e estudos científicos sobre as condições de acesso e permanência de pessoas trans e travestis na Educação, e assim possam engrossem as fileiras dos que entendem a Educação como possibilidade de transformação e construção de uma sociedade mais justa, mais humana.

Continuaremos falando sobre temas relacionados à Educação e a comunidade LGBTQIA+. Para encaminhar questionamentos, temas, dúvidas, críticas, elogios, sugestões e afins, escreva para [email protected]
Fascismo não é ideia, muito menos opinião para ser respeitada.

Rodrigo Cavallarin

Rodrigo Cavallarin

Colunista - Coluna Humanizar

Mestrando em Educação, possui especialização em Recursos Humanos, Gestão Escolar, Educação Infantil e Psicopedagogia. Graduado em Administração e Pedagogia. Já atuou como Educador Social junto ao serviço de proteção à crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e atualmente atua no Ensino Superior.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Coletivo Movimento Construção – Parada LGBTI+ de Londrina. 

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