Antes de aprofundarmos nas questões pertinentes a homofobia e a fobia descrita por Freud em sua teoria, penso ser pertinente discorrer o que me levou a essa temática. Quando iniciei a graduação em psicologia, as vertentes da sexualidade sempre me encantaram, por perceber que ela vai muito além do que a sociedade impõe como regra, sendo assim, a cisgeneridade e a heterossexualidade não deve ser vista como norma, visualizando as diversas formas de obter o gozo, e não estamos falando apenas de ejaculação, mas de todas as possibilidades de vivenciar os prazeres da sexualidade.

Sendo assim, durante os cincos anos de curso, busquei me aprofundar nessa temática, o que por fim me levou a especialização na área, mas antes de mergulhar nesse campo, desenvolvi meu trabalho de conclusão de curso com o intuito de compreender a homofobia através de uma análise psicanalítica, abordagem que sigo dentro da psicologia. Irei abordar de forma resumida a temática, caso queira o trabalho completo entre em contato por e-mail.

Os questionamentos a respeito da homofobia transpassavam as minhas vivências enquanto homossexual, e vítima do preconceito que se faz presente em minha vida até hoje, o objetivo era realmente compreender o mecanismo da homofobia, e o que leva o agressor a ter comportamentos hostis com os homossexuais. Me questionado então se a homofobia pode realmente ser considerada uma fobia para a psicanálise.

Desta forma, seria então um mecanismo de defesa do inconsciente? Seria uma forma de afirmar sua posição de macho alfa dentro de uma sociedade cis-heteronormativa? Ou apenas um comportamento visto como agressão? Mas, de onde vem essa agressão?

Todas essas perguntas surgiram durante meu trabalho, e percorri de forma breve pelo contexto histórico da homossexualidade, iniciando na Grécia Antiga, visto que a prática entre homens era um ritual aceito socialmente, conhecido como pederastia, que constituía na iniciação dos jovens, transmitindo o conhecimento do mais velho ao mais novo.

Contudo, com o advento do cristianismo a homossexualidade se tornou um pecado, e mais adiante por volta do século XIX era visto como crime, e seguiu como patologia por diversos anos dentro do campo da medicina. Que apesar de atualmente a orientação sexual não ser mais visualizada como doença, ainda há um discurso transfóbico, ao caracterizar a identidade de gênero como uma possível disforia, como apresentado na última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).

Não irei aprofundar as questões a respeito da despatologização da homossexualidade e o que a medicina contribui nesse processo, pois vejo que devido sua extensão, surge à possibilidade de abordar essa temática em outro momento, visto que foi tema da minha monografia na especialização, e contribui para o contexto histórico da homossexualidade, sendo um conquista para a comunidade LGBTQIAP+ que há décadas luta pelos seus direitos na sociedade.

Mas enfim, ao falarmos da medicina, Sigmund Freud médico neurologista e psiquiatra, conhecido como o pai da psicanálise, trouxe questões sexuais em sua teoria, causando alvoroço dentro do âmbito médico, afinal através do seu discurso, relata que o sujeito já nasce com seus desejos e impulsos, e durante a vida busca a satisfação do prazer. Naquela época, foi criticado por muitos, inclusive algumas críticas seguem na contemporaneidade.

Freud aponta em sua teoria que o sujeito nasce com uma potencialidade à bissexualidade, e através do complexo de Édipo, é feita sua escolha inconsciente de objeto, sendo a identificação com a figura masculina e a feminina. Desta forma, surge uma das teorias a respeito da orientação sexual.

Vale a ressalva que o intuito não é compreender a origem da homossexualidade, afinal apesar de muitas teorias referentes à temática, não é passível de análise, pois assim como a ciência não questiona os fundamentos da heterossexualidade, o mesmo deve ser aplicado a qualquer outra possibilidade dentro do campo da sexualidade.

O objetivo é apenas abordar a questão através do olhar psicanalítico, inclusive diante a teoria, Freud não abordou a homossexualidade como doença, e apesar de contradições em suas escritas, não há relatos que contribuem para uma possível patologia como citado pela medicina.

O autor irá abordar pela primeira vez o tema em 1905, ao denominar os homossexuais como sujeitos invertidos, no qual seu objeto sexual é o mesmo sexo. Além disso, em 1935 recebe uma carta, de uma mãe pedindo ajuda para seu filho, que o psicanalista deduziu ser homossexual.

Em resposta, Freud não caracterizou como doença, pois apesar de não visualizar como uma vantagem para o sujeito, não classifica como anormalidade, o que podemos ver na carta:

“19 de abril de 1935
Minha querida Senhora,
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.
Se você mudar de ideia ele deve ser analisado por mim – eu não espero que você vá – ele terá de vir a Viena. Não tenho a intenção de sair daqui. No entanto, não deixe de me responder.
Sinceramente meus melhores desejos,
Freud”

Há inúmeras outras passagens em sua obra, que o autor irá descrever a homossexualidade, mas além dessas definições, devemos analisar a construção do mecanismo fóbico para psicanálise, a fim de investigar sua relação com a homofobia.

Sendo assim, buscando não aprofundar nos termos psicanalíticos para que fique de fácil entendimento, Freud em 1984 no seu artigo “As Neuropsicoses de Defesa”, explica que as manifestações fóbicas seriam defesas estruturadas inconscientemente, como também ocorre de maneira semelhante nos casos de histeria e neurose obsessiva.

Ademais, Firme (2005) relata que ao surgir na consciência um afeto inaceitável investido por uma ideia conflitante impossível de elaborar de forma consciente, surge o mecanismo de reduzir o afeto investido na ideia, reduzindo significativamente sua força. Ainda para o autor, Freud encontra a angustia como afeto nas manifestações fóbicas.

Compreende-se então que o mecanismo da fobia surge através do conteúdo conflituoso existente em nosso inconsciente, que ao tornar consciente gera angústia pela falta de estrutura para lidar com a ideia.

Assim podemos analisar que quando Freud relata que o sujeito ao escolher seu objeto de desejo de maneira oposto ao seu sexo, se torna heterossexual, enquanto isso, o que escolhe o mesmo sexo, é homossexual. Entretanto, independente da escolha, há o recalque inconsciente do objeto não escolhido. Ou seja, em todos há uma heterossexualidade ou homossexualidade recalcada no inconsciente.

Desta forma, o sujeito de forma inconsciente busca possibilidades de satisfação desse desejo, o que podemos observar de forma natural através de seus comportamentos.

Enquanto mulheres se reúnem em episódios vistos apenas para o sexo feminino, como chamar uma amiga para ir ao banheiro, ou em lugares geralmente frequentados somente por mulheres. Os homens também buscam sua satisfação de desejo a partir de alguns comportamentos, seja através dos esportes, ou locais visitados particularmente por esse gênero.
Lembrando que isso não é uma regra, pois sabemos da diversidade dos públicos e dos locais hoje frequentados, entretanto, é possível analisar que alguns comportamentos podem colaborar com essa hipótese.

No caso do homofóbico, ao escolher como objeto o sexo oposto, e possuir recalcado o desejo homossexual, o mesmo não suporta lidar com o conteúdo ao se tornar consciente, projetando no outro seus impulsos sexuais.

Assim sendo, ao ver um homossexual, vê nele seus desejos inconscientes incapaz de elaborar seu desejo, e buscando formas de defesa para administrar sua angústia, podendo surgir através de diversos comportamentos, como agressões físicas e verbais.

E ao pensarmos nas agressões físicas, notamos que a atitude sempre foi visualizada como sinônimo de masculinidade e virilidade, o que contempla na atualidade, perante a sociedade que vivemos com uma estrutura machista e viriarcal.

Compreende-se aqui viriarcado de acordo com as definições de Nicole-Claude Mathieu (1985) ao expressar os poderes dos homens, independente da sua paternidade, como sugerido no termo patriarcado. Desta forma, abrange as possibilidades de inclusão a partir do viés que define o homem como superior a mulher, reforçando assim o discurso do machismo.

A psicanálise então contribui de forma significativa em todo o processo da construção histórica da homossexualidade, assim como ao discorrer sobre o mecanismo fóbico, é possível ser interpretado na constituição dos comportamentos homofóbicos.

Ressaltamos também que nada justifica atitudes preconceituosas, e que apesar de analisarmos a homofobia a partir de uma visão psicanalítica, buscando compreender seu mecanismo, a mesma não é passível de argumentos plausíveis para defender tal conduta.

Sabemos que milhares de pessoas são agredidas de diversas formas diariamente em todo o mundo, inclusive o Brasil é considerado um dos países mais preconceituosos do mundo, não apenas com a comunidade LGBTQIAP+, mas com outras minorias que sofrem com as agressões.

Compreender o homofóbico é também verificar que o mesmo é construído em meio a uma cultura cis-heteronormativa, e que além da teoria psicanalítica colaborar de forma significativa para observar os comportamentos do indivíduo, há outros fatores que devem ser analisados, como o seu meio social, e seu repertório de vida.

Além disso, não cabe a nós julgar o outro, e sim compreender quais as vivencias que o mesmo obteve para construir seus conceitos, afinal, nascemos sem preconceito, ele é construído ao nosso redor.
Então pensamos também, o que estamos fazendo para desconstruir nossos preconceitos diariamente?

Fernando Veiga

Fernando Veiga

Colunista - Coluna Gozo

Psicólogo e Sexólogo, especialista em Sexualidade Humana com ênfase em terapia e educação. Orienta seus estudos e trabalhos para as temáticas LGBTQIA+. Atua na área clínica com abordagem psicanalítica em atendimentos presencial e online. Psicólogo Social na Assistência Social do Município de Nova Fátima – PR. Trabalha com palestras direcionadas as vertentes da psicologia e sexualidade humana.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional do Coletivo Movimento Construção – Parada LGBTI+ de Londrina. 

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